quinta-feira

Hora em que ela encaixotava a cara, o bar ia fechando.


As luzes ainda caíam muito sem-vergonha, indo e voltando e
sombreando os vultos, carregando as moscas. Pelo chão, os cacos quebrados se abriam piscando pras mesas, ruminando debaixo de um teto que dorme toda noite. Enquanto isso, os copos gostavam de ficar rodando em volta do ventilador.O bar ia fechar.


De vez em quando, quase sempre em noites quentes, um homem muito antigo conseguia um lugar para sentar, se embebedar nesses olhos...

Mas no dia seguinte, era sempre a mesma sede, coberta de pó e sem teco de sombra pra fugir do sol. Sede cor de amarelo, a ponto de ver o próprio corpo virando
água salgada.


Porre de mágoa.


Carolinha

Fudido com "O" - Segundo Fascículo

MATANDO AULA

Além do mais, eu não tinha nada a perder, fora aqueles 50 centavos. Minha dinidade ficara sobre a escrivaninha de um superior, todo inchado de si, que se sentiu pessoalmente ofendido por conta de um par de linhas do meu Relatório Parcial de Atividades. Verdades impróprias que constavam no item 7c) Obesrvações Pessoais. O amor próprio, perdi aos poucos, enquanto me distraía com as rachaduras na parede. E tantas outras coisas, perdidas nos cantos da vida, que me reduziam àquele presente: de frente prá mim mesmo, no espelho rachado da porta de um bordel.

Entrei e era mesmo um bordel. Comum até, não fora a aura espessa de irrealidade que carregava o ar. Aura fruto do cruzamento da luz da entrada (doirada!)com a penumbra rubra de dentro (carne, sangue, cimento).
Pensei no que mamãe diria me vendo metido naquele lugar. Provavelmente aprovaria, afinal era um típico puteiro familiar: luz baixa, acomodações razoáveis, bebida batizadíssima, para evitar manguaça, tanto da parte dos clientes, quanto das profissionais.

Atrás do balcão, um gambá de pelo ralo servia um limpa-goela e esses drinques para mocinhas.Fui de cana mesmo.

GLUP!

Ele me olhou, desconfiando de que alguém como eu, se tinha algum com que pagar a birita, na certa não teria que bastasse prá bancar uma noitada com uma das lindas garotas que por ali pairavam, à espera de um sinal do velho gambá (depois fui saber, se chamava Janjá) para acometer a clientela.

Não me importei.

A moeda rodopia no ar: coroa.

Outra: GLUP!

Enquanto a talagada daquela aca ecoava, ricocheteando no meu crânio, observei um camarada que vinha bordel adentro:Veio entrando, gingando entre o cambaio e o desafio, entre o charme e o funk.
A princípio julguei ser outro gambá. Foi quando ele se virou, disparando um sorriso para ninguém (ou para si?) que se desfez em um riso. Riso que acabou desaguando em ganidos e guinchos, suaves e pertubadores. Num meneio e meio da cabeça angulosa, se revelou uma hiena, dessas bem esfoladas. Uns olhos bem fundos divididos entre o ouro da luz e o ocre dos fundos.

A essa altura, bem pouco me importava com meu futuro, que outrora perseguia obcecado. O jegue maldito, seu papagaio charlatão e aqueles papelinhos... já começava até a ensaiar uma certa repúdia àquilo tudo:"Vê se pode! Um burro e um papagaio de merda querendo me dizer o que fazer dessa minha vida!"

A hiena sentou-se no balcão. Não exatamente ao meu lado, mas próximo o suficinte prá me intoxicar com seu silêncio; escarnecia. Isso e uma caatinga azeda, própria daqueles que não se incomodam em incomodar o alheio, espraiavam sua presença pelo cabaré.

Tirou qualquer coisa do bolso do paletó. Um embrulho pequeno em papel alumínio que ele abriu cuidadosamente sobre o balcão. Naquilo se ocupou. Minutos. Muitos.



Eu eu só ali, olhando, tentando perceber qualquer coisa. Me revirando atrás de uma razão para estar ali, além do fato de não poder sair sem acertar as contas e não dispor dos arames para tal.Pensei novamente que acabaria me acertando mesmo é com o gorila de gravata da porta. Me acertando com ele, ou ele me acertando...

Além do mais, supondo que saísse, para onde ir?

Prá onde ir?

Prá onde?

Ir?

"Vem prá cá, vem prá cá!" resoou um voz quase familiar. Olhei e era o hiena, que agora respirava através de um charutasso, dos fortes, que ele manufaturara enquanto eu me distraía com os desenlaces improváveis daquela cena.

Improváveis? Era pouco.

Mal sabia eu, o que viria...


...mais suspense (já tá na hora de acontecer alguma coisa, né?)...



Telônios
Imagem: Coisas n° 2
Foto do Ze

terça-feira

Foi assim

Buscando as estrelas encontrei
um seixo
um chão no queixo
Carolinha

quarta-feira

Outra uma mínima

No céu
De casaca
O urubú rege o vento
Magrão
Fudido com "O"- Fascículo I



Tem uns dia que são foda!



Prum lado e pro outro. Tem dia que é foda, foda porque foi bom. E tem dia que é foda, foda porque agente só se fode. O dia todo.



Fim do dia.



Hoje, por exemplo, foi foda. Do segundo tipo. Tanto foi, que de tão fodido que eu tava determinei que precisava foder com alguém antes que o dia seguinte despontasse. Dar o troco no mundo.



É, aquele dia tinha sido uma bela bosta, mas não é isso que importa porque o bicho pegou, mesmo, foi à noite:



Sem grana prá pegar um bonde (só tinha uma moeda, só), resolvi bater perna até chegar não sei aonde. Aonde, onde quer que fosse, eu ia foder com alguém. Foder bunito; o suficiente prá saciar minha ira e ainda um pouco mais, que é só prá eu sentir vergonha diante do espelho do banheiro, quando viesse a manhã seguinte.
Um pé-após-outro dei de cara com uma feira, que saltou em cima de mim, subitamente, com seus cacarecos e velharias expostos na Praça da Beneca.



¡PEIXE E FREGUESIA PANELA E PASTEL JACA FRESQUINHA TEM ABACATE BARATINHO
DONA!


Se esgueirando por entre a gritaria, uma melodia protestava contra aquela massa retumbante de reclames. Entres os feirantes e comprantes, cada qual com sua espécie: rinoceromnte, tartaruga, ema, codorna, um esquilo; destacou-se o par de orelhas de um jegue, não que fosse burro, eu não saberia dizer, era um jeguinho com jeito de jeca, arrastando pelo calçadão da praça um realejo bem banguelo. Que cantava, a alma longe dissipada.Como não poderia deixar de ser, um papagaio acompanhava o burrico do realejo, fazendo aquilo que fazem os papagaios e anunciando o seguinte enunciado: "Vamo chegando minha gente, que o barato é quente. Seu futuro custa apenas um real. Aceita tique"



Apertei na palma da mão a minha moeda (era de 50 centavos, só).



"Taí!" Falei. "É disso mesmo que eu tô precisando: um futuro. E resolvi atravessar a rua, comprar meu futuro, e então eu veria quem vai foder quem nessa merda!" Uma euforia insuspeita brotou na minha cuca, sob a perspectiva de que, em breve, eu teria meu futuro. Depois era só segui-lo. Fácil como achar a entrada do labirinto, conhecendo a saída.



Ledo engano.



Fui obrigado a esperar na esquina enquanto uma vazante incessante de automóveis zunia na minha frente, cada um louco prá me arrancar um pedacinho, os bastardos. E aquela muvuca do lado de lá. E o meu futuro boiando na multidão esperando que qualquer um venha e o roube, tirando de mim meu direito inalienável (ahã..) à minha própria existência.



Finda tarde.



E eu ainda preso naquela esquina, perdido nessas bobagens metafísicas. Os carros passssssssssssando. O crânio pensando, pesando...



O canto do realejo foi minguando na medida que meu futuro se distanciava de mim, praça adentro, feira adentro. E eu naquela esquina. No movimento imenso da avenida lhe perdi. Quando juntei coragem prá meter o peito no meio da rua, só via as pontas fiapadas da orelha daquele jegue, pairando sobre mil cabeças. Mas quando alcancei a outra margem da rua, costurando entre os carros, já nada via. Quando muito, ouvia um trinado relutante, que brotava da garganta do realejo distante, cada vez mais.



Uma moeda, asfixiada, na palma.



Ok, antes eu tava puto. Agora eu fedia nervos. Muita gente, gente demais. Aquela algazarra dos diabos me estuprando os tímpanos enquanto eu tentava esticar o ouvido prá ver se achava um barulhinho, qualquer fiapo que delatasse a posição daquele jegue e do loro, guardião da minha posteridade.
Entre uma promoção de peixe podre e a queima de estoque de maçã argentina, fisguei a voz do papagaio já descendo a ladeira, em direção aos bairros baixos, a Baixaria, para onde escorrem os restos e os rejeitados quando cai a noite.



Cai a noite.



E eu naquele passo ridículo de quem não encontra dignidade o suficiente para correr nem tranquilidade que baste para simplesmente andar. Ladeira abaixo, seguindo meus ouvidos. Perseguindo o mulo e seu loro, até que os avistei dobrando uma esquina. Dobrei o passo no encalço deles e tive tempo de ver somente o calcanhar e calça jeans do burro (e o rabo, claro), entrando por uma fenda maliluminada.



Cheiro de cachaça entornada e mijada preenche o ar.



Estaco em frente à entrada: um corredor escuro e curto se estende em três degraus que sobem até um portão de grade, além do qual a escada segue. Sobe até o inferno. Do portão em diante, a penumbra azulada que cobre a noite da Baixaria dá lugar a uma luz dourada que cora as paredes e a escada, com a promessa do lenitivo definitivo para aquele que ousar galgar cada degrau.


Ousaria, eu?

A moeda rodopia no ar: coroa."Ousarei" disse.


E ousei.

Com era de se esperar, o portal se abre com a maior facilidade. Ao cruzá-lo, atravesso um véu de breu, minha existência pisca, suspensa por uma fração de segundo, eterna. Aí a radiação áurea abraça meu corpo, aquecendo meu espírito. O perfume de mil flores engrossa a atmosfera.


"E agora, panaca, vai entrar nessa espelunca sem um puto? Puteiro, por mais barato que seja, não se paga com um níquel" pensei. Mas logo dispensei esse pensamento. Afinal, eu já tinha ido até ali, atravessado o portal. Na pior das hipóteses um gorila da segurança ia me dar uma surra e me pôr prá fora do cabaré na base do pontapé. Nada além do normal.


Ledo engano. De novo.


O que rolou daí em diante, lá dentro, tá longe de normal.

Além.



...continua...
Telônios
Imagem: Portal
Foto do Ze

terça-feira

" Trata-se de um cara de de + ou - uns 40 anos,
muito paranóico e ao mesmo tempo de
uma maginação bem sólida."

Nas palavras do Ze, o autor do desenho.

Magrelo faz um Safari

no mundo de pedra
meu corpo é de pedra,
minhalma é de pedra,
meu sêmem >> minérios
e farão filhos de pedra
Minha mente de pedra
não consegue pensar noutra,
que ficar louca de pedra
Engulo pedra, cago pedra
e não consigo ver nada
com meu olho de pedra
que não seja pedra

E se não tiver
uma pedra no caminho,
desconfiarei.

magrous

Enquanto valer a pena, não jogarei a pena fora. Se sabe,
sonho que se sonha junto é a realidade...

segunda-feira

Mínima duas

Nem tudo está perdido
Cães, crianças e mendigos
Param pra falar comigo

Magrão

Mais uma mínima

Ócio?
Esse negócio
Prá mim é ótimo
A mente se estende
Na rede
Sempre que posso
Como se fosse fóssil
Como se fosse fácil

Telonios