quarta-feira

Gota de chuva de prata

"Era fim de junho.

Um menino, muito do pobrinho, choramingava lá no canto, vendo a lenha da fogueira de São João se queimar.
Para ele ali, naquela hora, nada era nada. Não ouvia foguete, não lia bilhete.

Era a última quermesse, e ela... continuava longe. Toda sorrisos do outro lado do pátio. Ele: lágrimas; e olhos.

Ali no canto da vida, os estalos da grande fogueira ponteavam seu sofrerzinho imenso.
Prá ele era novidade, sem ter o entender daquilo que lhe sufocava as tripas. E se desfazia em lágrimas.
O rapazinho tanto chorou que conseguiu até o que não queria: fez chover! Seu Pedro, de dó que sentia, fez descer do céu as águas, derramadas por anjos enrugados, prá ver se lavava tanta dor daquela terra.
Arruinou-se fogueira, quadrilha e noite dos mais bestas, que se deixaram impressionar pela garoa gorda.

Quem ficou viu, mas não pode contar. Nunca achavam palavras que bastassem para tanto espanto: o menino brilhava de luz, e a chuva que caía nele se derramava no chão. E eram gotas de prata pura!

Foi um milagre! Ou, quem sabe, alguma coisa que puseram no quentão...

Mas lá estava o menino, agora de pé no meio da praça, dançando encharcado nas derradeiras brasas da fogueira.

Alegria leve.

Dançou e bailou, dava piruetas. E agora ele mesmo é que era o fogo, aceso sob a chuva.

Dona Zéfa, a última a deixar a festa, contava na manhã seguinte o lindo espetáculo que assistira, daquele menino. Mas que não pode ver o último ato, vergada pelo peso do sono e da artrite.
Sabia somente que ele lá ficara, dançando.

Mais tarde, mais espanto: no centro da praça da matriz, onde ainda ontem ardia larga fogueira, as pombas pousavam leves na estátua de prata, que ali, em segredo, se instalara"

Telonios

sexta-feira

Outras capitais (reonhecimento)

Buenos Aires, 22/06/007ñ. 04:34 da matina.

(segundo fasciculo de uma serie de oito, cujo primeiro episodio, infelizmente, nao pode ser registrado pelo seu pontencial de comprometer outros camaradas envolvidos.

Acordei com o ruihdo distinto do trem de pouso contra o asfalto da aeropista.
Entre a decolagem e o pouso, praticamente me desfiz da minha existencia, excetuando-se uns cinco minutos para consumir um lanche plastico, servido por manequins automatizados, em pleno voo.

Entre a aeroporto e o centro da capital, fui colhendo toda informacao que pude a respeito da terra estranha em que me embrenhava, entre bosques de pau seco e barracos.

No hotel Colon, fomos, os tres, dirigidos imediatamente para a lista de espera. A equipe, composta por Madame Milikas, comandante de operacoes, Yurao, incumbido das areas de registro visual e contatos e eu, que tratava de todo o resto, aproveitou a oportunidade para provar das famosas carnes portenhas.

Comemos e comemos, e fomos, assim que possivel, direto para os aposentos, em busca o irracional descanso que qualquer percurso exige, conforme sua extensao.

Algum tempo depois, nos reunimos no saguao para a primeira volta de reconhecimento do meio.
A cidade andava paralisada por conta de uma final de copa de futebol. Assim, acessamos nosso primeiro contato local imediato, que nos forneceu poucos dados uteis de fato, mais foij de grande valia para efeitos de ambientacao do grupo.

Seguiu-se uma minuciosa analise das propriedades caracteristicas do local, a comecar pelo que se dispunha em termos de provisoes e servicos disponiveis.
Ao termino da volta de reconhecimento, mais uma vez nos recolhemos em busca do merecido repouso, inviabilizado pela balburdia que se dava nas ruas, sob as janelas.

Enquanto a Comandante Geral ajustava as minucias do comando, desci com o velho Yurao a praca do obelisco, a fim de coletar mais dados e anngariar o material necessario para finalizacao da demanda.

Entre berros e brados dos seguidores da seita Boca Juniores, nos infiltramos.
Aproveitamos o momento para completar as informacoes que faltavam.

Dali, regressamos a base para ordenar os dados coletados e fazer os preparativos para a missa do dia que viria...

quinta-feira

Caminho de Santos

Antes era diferente. Prá dormir era um parto. Eu fritava nos lençóis horas a fio e só caia no sono depois de bem passado, por mais cansado que estivesse.
Antes eu trabalhava em escritório, esperdiçando suor salgado em um cotidiano insosso.
Só dormia e lavrava. Sono era leve, labor pesava.

Agora mudou...
Noutro dia, por exemplo, parece que nem deitei e já sonhava, quando o delega gritou: "RUA!"
Zonzo, fui me levantando, montei na Barra Forte e deixei a DP pedalando, suave.

Toda aquela confusão só por uns par de caipirinha, três maços de cigarro, chopps e porções. Era caso prá tanto barulho? Eu digo: "Não era!".
Era?

Se comi e não tinha prá pagar, é correto que me enquadrem no xadrez? Lugar onde menos poderia levantar algum com que pagar as pendências?
Certo seria, me deixassem ir, de bucho cheio e sem suor?
Isso é que não!
Mas então, qual seria a certa medida a se tomar? Se eu tomo e não pago, me nego?

Me pegaram. Me perguntaram.
Falei de cara limpa: "Fiz!".
Me carregaram. Encarceraram.

Em meia hora, lá estava eu, na rua de novo. E tanto barulho por nada!
Rotina: "Sofrer é profissão de vagabundo".

No fim das contas, ninguém pagou ninguém, comi, bebi e dormi no alheio.
Me saí mais inteiro no fim do expediente, barriga cheia e cabeça limpa.
Pergunta: "É direito?"

Já não penso. Hoje só durmo e descanso...

Telônios
trabalhar. (Do Latim vulgar *tripaliare, 'martirizar com o tripaliu (instrumento de tortura).
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
II edição, revista e ampliada. Editora Nova Fronteira.
Rio de Janeiro, 1986.

terça-feira

Sujeito de aspecto curioso: um par de suspensórios lhe conferia um ar de seriedade obsoleta, desmentida pelas pisadas que dava em degraus que só ele via. Sapatão de couro, outrora valeu ouro e agora punha água prá dentro e o deixava dedão prá fora. O resto era de acordo com os restos: amarrotos e sujados.
Espiava e sonhava, vendo a juventude exercer sua juventude na beira dum bar com música ao vivo. Ele, morto, do lado de lá da rua, nalguma calçada da República.

Escavocou no fundo do buraco das oreia. Catando piolhos entre os neurônios prá ver se algo parecido com caldo se extraía dessa mente sacana. O cidadão ali me olhando como quem diz: "Por que é que você não vai tomar no olho do seu cú?" Mas nada dizia... só olhava.

Dali há um tempo, aproximou-se e perguntou se eu queria comprar pó. Erva? Doce? Erva-doce?

Que estranha mania que as pessoas têm de me oferecer todo tipo de muamba proibida! Até chego a pensar que é só comigo, problema meu.
Nada! É com todos: quem não quer?

Mas será essa a questão? Talvez o direito fosse perguntar: Quem não tem?
Quem não tem, quer. Quem quer caça. Quer queira, quer não, um dia acha, pois esse é o destino inevitável dos que procuram.
Assim diz o ditado...

Quis me passar um comprimido: 50 paus.
Pechinchei: isso não tenho...
Amoleceu: 35 conto.
Mendiguei: 15 pilas.
Negócio fechado!

Ah! Ele queria que fosse! Voltei prá casa com meus quinze conto, ele tomou sua aspirina e foi dormir...
Assim diz o samba: Laranja madura na beira da estrada, tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé.

Eu creio. Sobrevivo.

quinta-feira

Fudido com "O" - Sétimo Fascículo

Aquela Vaca!

Saindo apresssada da toillete, embarassada pela sujeira que havia feito, senti o muco dos olhos que me acompanhavam escorrer pela coxa. Desatoxei a calcinha por pura crueldade e deixei aquele pardieiro, feliz em constatar a eficácia das minhas ferramentas.

Ao cruzar a grade de saída, o gorila da porta me passou um bilhetinho e um sorriso de cumplicidade como quem diz: "tô sabendo, mas essa vez passa...". Piso firme na calçada, me equilibrando nos saltos enquanto afasto o cabelo para ver se ouço o canto do realejo: nada.

Sozinha na calçada, sozinha na noite, sozinha na cidade, sozinha no mundo. Surge um letreiro e entram os créditos. A trilha sonora é alguma coisa entre o Genival Lacerda e o Stomp.

Algumas horas depois, o faxineiro do putero vai ao telefone aflito. Quando chega a polícia já é dia, e o sangue seco da loura do banheiro traz também as primeiras moscas da manhã.

Lá se foi Maria Lenk, ida de coração ao lado de lá, onde agora nada em nada, e tá bem mais à pampa...
Fica aí nossa homenagem...

quarta-feira

outra mínima

O TAO DO LESO

o coco tá oco
(tá osso)
penso, repenso: dispenso
(bagúio tá tenso)