quarta-feira

Gota de chuva de prata

"Era fim de junho.

Um menino, muito do pobrinho, choramingava lá no canto, vendo a lenha da fogueira de São João se queimar.
Para ele ali, naquela hora, nada era nada. Não ouvia foguete, não lia bilhete.

Era a última quermesse, e ela... continuava longe. Toda sorrisos do outro lado do pátio. Ele: lágrimas; e olhos.

Ali no canto da vida, os estalos da grande fogueira ponteavam seu sofrerzinho imenso.
Prá ele era novidade, sem ter o entender daquilo que lhe sufocava as tripas. E se desfazia em lágrimas.
O rapazinho tanto chorou que conseguiu até o que não queria: fez chover! Seu Pedro, de dó que sentia, fez descer do céu as águas, derramadas por anjos enrugados, prá ver se lavava tanta dor daquela terra.
Arruinou-se fogueira, quadrilha e noite dos mais bestas, que se deixaram impressionar pela garoa gorda.

Quem ficou viu, mas não pode contar. Nunca achavam palavras que bastassem para tanto espanto: o menino brilhava de luz, e a chuva que caía nele se derramava no chão. E eram gotas de prata pura!

Foi um milagre! Ou, quem sabe, alguma coisa que puseram no quentão...

Mas lá estava o menino, agora de pé no meio da praça, dançando encharcado nas derradeiras brasas da fogueira.

Alegria leve.

Dançou e bailou, dava piruetas. E agora ele mesmo é que era o fogo, aceso sob a chuva.

Dona Zéfa, a última a deixar a festa, contava na manhã seguinte o lindo espetáculo que assistira, daquele menino. Mas que não pode ver o último ato, vergada pelo peso do sono e da artrite.
Sabia somente que ele lá ficara, dançando.

Mais tarde, mais espanto: no centro da praça da matriz, onde ainda ontem ardia larga fogueira, as pombas pousavam leves na estátua de prata, que ali, em segredo, se instalara"

Telonios

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