quarta-feira

Uma coisa das Antigas...

33

Fechou a porta de saída como quem esvazia. Esvaía umas idéias madurando que cresciam nos últimos dias, saindo que nem espinhas e pipocando pelo rosto mesmo. O sentimento era de estupefação.


- Eu pego esse maldito!


Todo esse roteiro, lágrima sobre um tanto de tranqueira, roupas véias e pó, mofo e cachorro molhado, baguios de toda maneira, caraminholas e minhocas, juntas num caldo bem forte que é o pessimismo da moça, feita perfeita para amar! Ugh! Saiu por aí precisando andar, por que agora que não é mais tão só precisa se encontrar. Como se jogasse um esconde-esconde consigo mesma, procurou caçar uns problemas por aí. Arranjou o jeito de dar nó em cobra, se afobou demais e parou de novo pra pensar com força. Uns negócios carcomendo, nada muito claro aparecendo, isso juntando com aquilo e uns nós amarrando tudo e mais. Tenta:


- Vou fazer a lista das queixas, tudo dando pitaco, o copo meio vazio, a cama desarrumada, puta moleque chato, reclama de tudo, invade tudo, fica com cara de bosta, num lava uma louça, não sabe cantar nada, anda torto, não fala que eu sou bonita, não gosta de sair de casa, eu tenho que ficar agradando, eu tenho que ficar sofrendo, se ele tá aqui é meio ruim, se vai embora é ruim inteiro, eu não posso nem ficar triste, tenho vergonha do meu cabelo, se eu baixo a guarda ele repara fica falando, mas o pior é quando pára! Eu não sou mais nem apaixonada, nem poesia eu faço mais. Minha alegria ficou dura, ela demora um tempo: misturou com a água que eu bebo, se não me esforço nem percebo. A lista das queixas continua, o copo meio vazio. Se é meio vazio eu deito. Eu paro. Tanta coisa pra pensar. E quanto mais eu penso mais fica embaçado. Vou acabar com esse negócio. Não tá indo, não tá caminhando...


Mas a constatação vai virando cimento, que a gente cada vez põe mais areia. E toda pessoa sabe que a razão tem jeitos de ser cruel, então o cimento vai cimentando, unindo os blocos da menina.

Constatação...


O vento frio entra no nariz e pela nuca, saudade do sol, pouca blusa. O frio dá raiva, e a raiva agora é de tudo ser tão errado, como se todo o ódio se juntasse bem ácido num ponto da boca do estômago, desvirginando um conformismo doido porque raivoso. Sentiu que nada era imune. As casas ao redor, todas magoadas, baixavam a cabeça: sim senhora.


- Que cê ta olhando?


A rua humilhada, tudo esmaecia, a noite desmaiava. Já viu uma mulher braba?

Tudo em volta conspirava, chegava no pé do ouvido e soltava um urro.

- Filho da mãe descabacento! Vou lá porque isso não tá certo! Tem que acabar!


Já estava na rua detrás, foi fácil mudar a rota pela viela, andar mais um pouco, a mil. A mina com a boca seca chegou na porta do amado, pobre coitado.


- 33, sou eu, abre aí pra gente conversar.


-Entra, que foi?


- Nhé.


Deu um beijo jogado, nem precisava.


A sala rodava em volta dos dois. O único som era o estalar dos dedos, a novela das oito.


- Vou dizer logo porque eu não sou molenga e falo o que penso!


- Tô ouvindo!


- Ó, meu mundo tá bagunçado, eu gosto muito demais de você, mas não tô agüentando, é difícil ficar junto, não sei o que vai ser (chôro).


Um sorriso tinge a boca do rapaz, que quase suspira de alívio:



- Se vira, nêga!



Carolina.

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