sábado

O Tempo do Homem que Monopolizou o Mergulho

Tinha esse país e tinha um grande Homem, e estava tudo correto. No começo da manhã, quando o sol rosado despontava, uma grande fila começava a se formar na frente do portão de metal, que abria pontualmente às 06:00 horas. A fila começava a se arrastar, enorme que era, pelos quarteirões rodeados de cachorros e cachorros quentes, que se aproveitavam dos lixos humanos proliferando. A carreira se agigantava ao longo do dia, e os ladrilhos pisados da calçada iam endurecendo debaixo do falatório, da tagarelice, da impaciência dos homens. Muitos deles chegavam ainda pela noite, sem estrelas, e esperavam entre o ar mais frio da madrugada uma dianteira. Esperavam nunca mais esperar, no meio de cobertores velhos e sapatos, marmitas e álcool, palavras trocadas sem gosto, sal, sono. Um passo à frente, o portão aberto espera os homens com calma, e com calma todos são revistados entre os cabelos, no peito e costela, debaixo dos braços, genitália, pernas e pés. De frente e de trás, a confirmação da entrada é a garantia de nenhuma arma branca, gente preta ou qualquer perfurante. Inalantes e líquidos também são proibidos, mas podem ser retirados na saída, pagas as devidas taxas.


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Quando andava pelas pedras que rodeavam a praia de sua infância, o Menino sabia muito bem onde pisar. O mar ali era muito recortado, e de longe não se podia ver muito bem o que era menino, o que era bloco e pontas de pedra. O Menino não se mexia, perdido entre a linha da onda e da brisa fresca, e assim passava, um após o outro, os dias. De vez em quando um pássaro-agulha costurava a água, buscando um peixe pra sumir no azul. Mas certa vez, como nunca antes, o Menino levantou, puxou um naco de ar e pulou, de cabeça, pra sumir na maré.


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O local é um galpão muito alto, feito com pedras de granito cinza, e era o único lugar desse país onde todos podiam entrar na fila e esperar tanto, por algo tão esperado. Por isso que todos esperam.
O Homem teve realmente uma bela idéia, e foi belo quando, em meio às lágrimas descobriu o sentido de tudo, e quis mostrar à Humanidade como isso era. Começou muito de pequeno, e com muito suor, sangue e estudo, conseguiu erguer um quartinho. Dentro desse quarto se dedicava o dia todo a aperfeiçoar o seu mecanismo, que abria à experimentação nos fins-de-semana. Como se fosse obra de Deus, ou do Diabo mesmo, um ano depois conseguiu um terreno perto do Centro da cidade, onde suou alguns anos mais de sua vida para erguer quatro paredes que deram lugar a uma sólida estrutura onde ninguém, ninguém jamais pôde sair como havia entrado.
Construiu um sonho e o ofertou a preços módicos, a todos. A plataforma ocupava o centro do galpão e tinha muitos e muitos metros medidos, tanto é que se demorava vinte minutos a subida. Lá, duas mulheres muito bonitas e peitudas sorriam e amarravam os pés dos homens bem forte. O indivíduo andava até o fim da plataforma e se deixava cair com os braços cruzados no peito, os olhos bem abertos, e assim a fila corria. Quem chegava lá embaixo ficava a alguns milímetros da superfície da água, contida dentro de uma piscina redonda. Sorriam.
A fila caminhava passo a passo e cada homem repetia os gestos necessários, com uma sanha de medo e alucinação dentro da barriga. Enquanto esperavam, ouviam mais uma vez a história do Menino, contada muitas e muitas vezes desde todas as infâncias. E a história aqui ainda se repetia no meio de grande comoção. E todos podiam sentir pela primeira vez o ar frio lá de cima da plataforma, passeando entre os cabelos na queda com os olhos abertos, a respiração presa e o coração sufocado, frente a frente com toda a água e tão perto dela. Dois centímetros do nariz, o reflexo da água olhava dentro dos olhos de quem encarava. O que viam? E, pendurados pelos pés, os homens viravam pêndulos de um tempo que só parava um pouco, pra continuar sempre correto.
Dizem que certa vez um homem do interior, sem querer, deixou cair o relógio de pulso na água e endoidou, pois teve um visão.


Carolzinha.

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