segunda-feira

Elias

Nascia. E mal Sabia que a vida estava ainda por vir, mesmo o espirito já tendo a carne habitado. A vida naquele ser só se despertaria dali alguns anos.
Dos zero aos sete, não se dava o trabalho de falar. Apenas comunicava-se gestualmente, mais a responder do que a indagar. Não tinha curiosidade e se tinha, não demonstrava.
Ia bem nas aulas, prestava atenção em tudo, era pacato. Porém nem CDF era, pois a lei do mínimo esforço era lei. No boletim sempre sete, nada pra mais nem pra menos.
Assim passou toda sua vida escolar. Quieto. Tinha uma paixãozinha ou outra a cada 3 anos, mas ninguém sabia: nem elas, nem suas amigas, nem seu diário, que aliás não tinha sequer nenhum rabisco a não ser seu nome: Elias Sorento.
Não gostava do nome, que diria do sobrenome então: Sorento - perfeito pra qualquer trocaldilho cretino…
Era inteligente e no fim das contas foi recompensado com um emprego à altura. Ironia do desino ou trocadalho divino, E. Sorento, consultor econômico no Rio de Janeiro, dizia aos grãfinos o que fazer para se tornarem mais grãs ainda, sempre poupando gastos, saliva e evitando a fadiga. Tinha tudo organizado entrava no horário e saia sempre um pouco mais tarde, afinal de contas era um aluno nota sete.
Um rapaz sem amores e só pudores. Não se trocava na frente do espelho e as cumprimentava com um simples e breve aperto de mão; quando muito animado, o que era raro, arriscava uma piada sem graça, porém, por ser especial de estória, cotava geralmente, uns 37% de risos. Se fosse uma piada contada a uma pessoa só, isso corresponderia a quase um sorriso meia-boca.
Numa dessas noites, início de verão, probabilidade de chuva zero e véspera de feriado, Sorento viria a dar a luz a si mesmo. A data do parto: Dia 16 de novembro de 1998, às 22: 08 de uma quinta-feira. Peso da criança: 73 Kg. Teste do pézinho: um mais aberto que o outro, unha encravada e n.o 42 no sapato.
Dez da noite em ponto, lá estava ele em um bom boteco a poucas quadras de sua quitinete no Leblon. Tomava uma cerveja e, sim, estava bem gelada.
No primeiro gole, as primeiras contrações. Sentiu algo diferente, bom. Reviu seu dia a procura de algo que tinha comido e que nao devia ter lhe caido bem, não achou nenhuma quebra de conduta. Não estava acostumado ao bem estar. Pediu então a melhor cana da casa. Tomou uma talagada e novas contrações surgiram. A luz do palco improvisado se acendeu e como não tinha paciencia pra música, Sorento fez menção de se levantar e ir direto ao caixa a fim de pagar o mais rápido possivel a conta.
Magestosamente sincronizado com seu destino, no mesmo instante, nas caixas de som soava uma breve microfonia. “Boa, noite a todos presentes.”Sem ter forças para correr e sem capacidade para elaborar nenhum cálculo, nem mesmo para pensar sobre as horas, Sorento se sentou. Mais uma cerveja pousou em sua mesa. E de pernas fechadas iniciava-se ali o trabalho de parto de um Indivíduo. Seus olhos arregalavam a cada nota entoada pela flautista e seu trio de chorinho, cada acento uma contração. A música baixou, dinâmica perfeita. “Pra quem sabe o que é amor ou pra quem tá pra descobrir ainda, essa música chama-se Samba Di Amanti’. Sete cordas e pandeiro voltaram à tona e a voz mais doce ja ouvida por um consultor, cantava um refrão, como quem sussurra um segredo ao pé do ouvido. Sorento de cara enrubescida fazia um esforço danado pra segurar os olhos cheios d`àgua, nao pode aguentar. A bolsa estorou; e para sua fortuna, toda a vida escondida atrás de nümeros e certezas, correram face a baixo numa enorme vazante.
A música foi terminando e, após uma saraivada de aplausos e assovios, vieram em fim as primeiras palvaras do Grande Elias, bem alto pra todo mundo ouvir:“Puta que o pariu!”

Lubinho

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