quarta-feira

Terça-feira – (Yurous)

Naquela época eu costumava freqüentar o centro cultural. Sem trabalho e entediado, passava as tardes perambulando por ali, enterrado no fundo da gibiteca ou tentando entrar em alguma aula de graça. Vez ou outra, sentava numa mesa do mezanino reservado a desenhistas e jogadores de RPG e ficava ali, rabiscando alguma coisa e destilando minha antipatia por japoneses cheios de espinhas que gritavam e jogavam algum jogo estúpido de cartas na mesa ao lado. Eu gostava daquilo, de estar ali entediado naquele refúgio para aquele tipo de escória da juventude. Eu era um deles.

Foi numa Terça–feira. O sol abafado entrava sem piedade pelas janelas, sem dar chance de refúgio em lugar nenhum. E era pleno agosto. Resolvi não me deixar assar como uma merda de um frango estúpido e saí andando pelo espaço do centro cultural, sem rumo algum, mais como uma forma simbólica de resistência. Ia assim distraidamente imerso em blasfêmias mentais quando um cartaz me chamou a atenção. Um cartaz não; na verdade apenas um nome escrito nele. Era o cartaz que anunciava algum tipo de evento, do qual participaria a banda cujo nome me chamou a atenção. Eu nunca tinha escutado o som da tal banda, mas fontes relativamente seguras tinham me falado bem dela. Não, eu não lembro o nome da banda, e tive preguiça de ler do que trataria o evento, achando mais fácil ir até a sala onde estava acontecendo. E fui.

Quando cheguei, o dito evento estava pra começar. E era uma ante-sala cheia de gente em pé, conversando em grupos separados e aguardando o começo. Logo na entrada, um cara magro e muito feio me chamou a atenção: tinha a barba e o cabelo compridos e muito ensebados, com se estivesse a meses sem um bom banho. Só podia ser um cara da banda. Perguntei. Era. Legal! Tentei levar o papo adiante, quem sabe até descobrir que merda ia acontecer ali, mas ele não estava sendo nada simpático. Tudo bem, eu também não costumo ser, mas pelo menos eu tentei... Sem nenhuma resposta clara, tentei adiante. Logo me deparei com outra horrenda figura que sem muito esforço deduzi ser também da banda. Perguntei. Era. Esse seguia o visual da barba e do cabelo, mas não se parecia com um doente terminal como seu companheiro, o que não fazia dele menos feio. Era albino e pelo visto sofria de alguma mutação, porque não tinha um dos olhos, sendo que o que lhe sobrava era pequeno e amarelo. Esse cara foi um pouco mais amigável comigo, apesar de não ter conseguido me fazer entender mais do que se passava. Ele veio com um papo complicado sobre o conceito espiritual do evento enquanto eu só conseguia prestar atenção era naquela cara com aquele olho.

Começou o evento. O povo foi se aglomerando na entrada, eu fui atrás. Notei do meu lado um cara muito estranho, magricelo com uma barba bem rala, mas comprida. Aí percebi que não era um cara. É, era uma mulher. Uma mulher barbada. Argh! Fui um dos últimos a entrar e fiquei meio atrás. A sala era pequena pro número de pessoas e ainda por cima o chão tava cheio de coisas distribuídas irregularmente pelo espaço, umas mesas, uns cavaletes, sei lá. Não dava pra se mexer muito. Que merda, pensei. Nem sinal da banda. Mais merda ainda. Comecei a ficar preocupado. Eu não tava entendendo nada e todo mundo começou a discutir alguma coisa e eu não sabia o que era e nem porque todo mundo sabia o que tava acontecendo menos eu. Tentei mudar de lugar. Não dava pra fazer isso sem atrapalhar um monte de gente, então eu atrapalhei. Nessa tentativa, vi algo que me impressionou. Era a mulher mais feia que eu já tinha visto na vida. Muito alta, muito magra, com um cabelo preto escorrido na cara. Andava meio curva e tinha as mãos e os pés enormes. E um nariz enorme, um puta nariz. Na boa, era mais feia que a bruxa da Branca de Neve. Mais feia que o Joey Ramone. Fiquei com medo. E aí notei que ela tinha bigode. Um bigode bem considerável e até um pouco de barba, tipo as costeletas e no pescoço. E ela tava bem perto de mim, acho que dava pra encostar! Peguei o tortuoso caminho de volta entre as pessoas e objetos, e nisso todo mundo começou a dançar. Sei lá como, do nada, começou aquele monte de gente a dançar, sem música, cada um no seu ritmo, sem que ninguém dissesse nada. Aquilo foi demais pra mim. Fiquei muito puto e saí fora dali. Na porta, ainda vi mais duas pessoas de costas que eu achei que fossem mulheres, mas mais perto deu pra ver que as duas tinham barba, a mesma barba, pouco pêlo, mas comprida. Desviei delas (ou deles...) e saí de volta pra ante-sala. Eu sabia que ali a esquerda tinha um balcão, onde alguém ia ter que me explicar alguma coisa. Fui pra lá. Eu tava puto. Cheguei no balcão, mas nem consegui perguntar nada. Atrás dele estavam sentadas duas mulheres. As duas tinham barba. Levei um choque. Eu não agüentava mais um minuto naquele lugar esquisito do cacete. Virei pra ir embora e dei de cara com mais três mulheres que, claro, tinham barba, sendo que uma delas vinha na minha direção, rindo e falando comigo. Puta que pariu. Não ouvi. Nem pensei, só corri; corri rápido pra longe, bem longe, embora. E estava feliz por ter chegado.

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